Dia Mundial da Alimentação: Assembleia deve criar Frente para combater a fome
Em todo o mundo, 2,4 bilhões de indivíduos estão em situação de insegurança alimentar e, no Brasil, a fome atinge 33 milhões de pessoas. Esse problema afeta diversas regiões do planeta, inclusive as que têm condições favoráveis para enfrentá-lo, como é o caso de Mato Grosso do Sul. Para buscar saídas à fome e à insegurança alimentar e promover a produção de alimentos saudáveis, a Assembleia Legislativa deve criar uma frente parlamentar com o objetivo de implementar políticas públicas sobre o tema. O assunto foi discutido na tarde desta segunda-feira (16) durante a audiência pública "Caminhos para uma alimentação saudável e sustentável". O evento, proposto pela deputada Gleice Jane (PT), aconteceu no auditório da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer), no Parque dos Poderes, em Campo Grande.
"Foi solicitado pela plenária fomentar discussões referentes a uma frente parlamentar relacionada à alimentação saudável, sustentável e culturalmente adequada. A partir dessa proposta e da necessidade de ampliarmos esse debate, criaremos uma frente parlamentar específica para este tema", afirmou a deputada ao final do evento.
A audiência é alusiva ao Dia Mundial da Alimentação, celebrado por cerca de 150 países. O dia 16 de outubro foi escolhido em menção à fundação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 1945. O tema deste ano é "Água é vida. A água nutre. Não deixe ninguém para trás". No Brasil, de acordo com o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 da Rede Penssan, havia, em 2022, 33,1 milhões de pessoas que passavam fome. Em todo o planeta, segundo a FAO, a insegurança alimentar atinge 2,4 bilhões de pessoas, sobretudo as que moram em países mais pobres.
Esse cenário foi debatido na tarde de hoje, mas com concentração do problema em nível local. A deputada Gleice Jane afirmou que, a partir das discussões da audiência, serão feitas articulações, com a participação de diversos atores sociais, para implementação de ações de enfrentamento ao problema da fome, uso de agrotóxicos e para o fomento da produção sustentável e alimentação saudável em Mato Grosso do Sul. “Nós vamos ter novas atividades, novos momentos, provocações ao governo do Estado, ao governo federal, e tentar articular o máximo possível de pessoas no sentido de promover uma alimentação saudável, com água, com condição de vida e saúde para a população”, disse.
A parlamentar enfatizou que Mato Grosso do Sul, que se destaca na agricultura, não poderia ter pessoas passando fome. “Nosso Estado é um grande produtor agrícola. No entanto, o alimento não tem chegado às mesas de todas as famílias”, considerou a deputada, detalhando que o problema se acentua nas áreas mais pobres e nas comunidades indígenas, que também sofrem com a escassez de água. “Não faz sentido falarmos que estamos alimentando o mundo quando não estamos alimentando as pessoas do próprio estado. Mato Grosso do Sul só será realmente desenvolvido quando sanarmos as nossas dificuldades internas”, acrescentou.
A deputada também falou sobre a questão da água, em referência ao tema do Dia Mundial da Alimentação. “Neste ano, o 16 de outubro está pautado na água. Então, nós precisamos questionar se todo mundo tem acesso à água, uma água potável, uma água de qualidade. Então, este é um ano importante para debatermos sobre como está nossa água em Mato Grosso do Sul, a qualidade de nossa água, a importância dessa água para a produção de alimentos”, afirmou.
Outro problema, debatido na audiência, foi a presença dos agrotóxicos na produção de alimentos em Mato Grosso do Sul. A deputada realçou essa questão. “As pesquisas mostram que, realmente, há agrotóxicos em nossas águas. No Rio Dourados, há 33 tipos de agrotóxicos confirmados e desses 33 ainda não está considerado o glifosato [herbicida utilizado em diversas culturas agrícolas], que é o que tem maior comercialização no Estado”, disse.
Entre as autoridades que participarem da audiência, esteve o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck. Ele trouxe ao debate preocupações presentes no relatório da FAO. “A estimativa é que, em 2050, nós tenhamos mais dois bilhões de pessoas no mundo. Hoje nós temos oito bilhões de pessoas, e vamos chegar a dez bilhões. Essa população cresce nas regiões mais pobres do mundo, principalmente na África e na Ásia”, afirmou o secretário citando dados da FAO. “Os sistemas de produção atuais não são suficientes para atender a essa população em quantidade. Não estamos nem falando ainda em qualidade, mas apenas em quantidade. Nos níveis tecnológicos de hoje, teríamos que incorporar 583 milhões de hectares para alimentar a população em 2050. Mas se nós fizermos isso, vamos ter um outro risco que se chama mudança climática. Então, o caminho é da questão de tecnologia”, comentou.
“A gente precisa curar a terra. Ela está muito doente”, diz liderança indígena
“A terra está doente, enfraquecida, toda machucada, sentindo uma grande dor por causa do veneno, do mal cuidado”, criticou a liderança indígena da etnia Guarani Kaiowá, Anastácio Peralta, mestre em Educação e Territorialidade. "A gente precisa curar a terra. Ela está muito doente, por isso que está existindo muito calor. Para nós, indígenas, não é apenas a comida. Tem que ter a água, a mata, porque é dela que nós vivemos. Nós vivemos da natureza e hoje não tem mais. E a sociedade não indígena não entende isso. Por isso, destrói a terra, destrói a água, destrói a mata”, completou.
Ele também enfatizou a necessidade de demarcação das terras indígenas. “A primeira coisa é demarcar a terra e cuidar da terra. Em Dourados, tem a média de 18 mil pessoas morando em 3.400 hectares. É muito pouco. Então a gente precisa ter uma política de demarcação de terra e estrutura para a agricultura”, disse.
Autoridades e especialistas
Além da proponente, deputada Gleice Jane, a mesa de autoridades foi composta pelo titular da Semadesc, Jaime Verruck, pelo secretário executivo de Agricultura Familiar, de Povos Originários e Comunidades Tradicionais de Mato Grosso do Sul da Semadesc, Humberto de Mello Pereira, pelo coordenador geral de Apoio e Monitoramento de Propostas da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares e Federativos, Thiago Borges, pela coordenadora geral do Escritório Regional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Marina Ricardo Nunes Viana, pelo superintendente estadual do Ministério da Saúde no Mato Grosso do Sul, Ronaldo de Souza Costa, pela representante da Associação Nacional da Agroecologia no Mato Grosso do Sul, Carline Yumi Ohi, e pelo representante da Asociação dos Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul, Antônio Paulo Ribeiro.
Já da mesa redonda, participaram o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Pantanal) e doutor em Agronomia, Alberto Feiden, a nutricionista e doutora em Saúde Coletiva, Verônica Fronau Luz (de forma remota), a historiadora e doutora em Sociologia, Alzira Salete Menegat, mestre em Educação e Territorialidade, Anastácio Peralta, da etnia Kaiowá, geógrafa e doutora em Geografia, Márcia Yukari Mizusaki, representando o Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), Rosana Claudina Sampaio, conhecida como Preta, filósofa e doutora em Geografia, Sandra Procópio da Silva, geógrafo e cientista político, mestre em Ciência Política e Desenvolvimento Rural, Pedro Vasconcelos Rocha.
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