Para professor, decisão sobre demarcações mantém 'brechas'

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Alexandre de Moraes
30/09/2009 - 16:50 Por: Fabiana Silvestre    Foto: Roberto Higa

O acórdão publicado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) esta semana, que disciplina a demarcação de terras indígenas, representa um avanço, mas não encerra a polêmica que envolve índios e proprietários de terra. É a avaliação do professor Alexandre de Moraes, advogado e doutor em Direito do Estado, livre-docente em Direito Constitucional e secretário municipal de Transportes e de Serviços de São Paulo.

Ele ministrou na tarde desta quinta-feira (30) a palestra "A função social da propriedade: a questão indígena e quilombola" durante o I Encontro do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, realizado no Centro de Convenções Rubens Gil de Camilo, em Campo Grande.

Segundo Moraes, embora o julgamento do STF seja considerado "histórico", ainda permite brechas de interpretação. "Temos que discutir vários pontos; o princípio da proporcionalidade é extremamente elástico, o que permite julgamentos casuísticos", disse.

O professor defendeu a definição de parâmetros mais objetivos para a demarcação de terras indígenas e quilombolas, que considerem aspectos como a segurança jurídica, o direito à propriedade, a segurança social da comunidade e o federalismo. "Não foi discutido, por exemplo, quem administra e quem dá as diretrizes para as áreas demarcadas e isso é uma questão importantíssima", apontou.

Ele alertou para a necessidade de um entendimento mais amplo sobre a ideia de demarcação contínua. "Se todo um estado for demarcado, como fica isso no pacto federativo?", questionou.

O professor comemorou a definição de competências definidas pelo STF. Pelo acórdão, a demarcação é de responsabilidade do Poder Executivo. Cabe ao Legislativo (Congresso Nacional) a dupla competência de autorizar a exploração de riquezas nas áreas e a remoção de grupos indígenas.

Novo rumo

Para Moraes, a Constituição brasileira é uma das mais generosas do mundo em exceções ao Direito de Propriedade, ao estabelecer limitações ambientais, sociais, possibilidade de demarcações para fins de reforma agrária e definição de áreas indígenas e quilombolas.

O professor analisou a mudança de entendimento jurídico quanto aos conceitos de liberdade e
propriedade previstos na Constituição.

Segundo ele, historicamente, as infrações cometidas contra a propriedade foram mais penalizadas que as infrações contra a liberdade. "Isso não é uma questão ideológica, mas uma constatação histórica, que hoje começa a mudar", comemorou.

Também defendeu a análise do binômio "ocupação tradicional e destinação constitucional". "Há a discussão do que seria o critério básico para se poder, inclusive, ignorar o direito adquirido já registrado", disse.

Para Moraes, a ocupação tradicional erra ao "olhar para o passado", buscando recriar a
conjuntura histórica, quando deveria "olhar o futuro", analisando não somente o tamanho das
áreas, como a viabilidade de continuidade do povoamento.

"Ao identificar o que é óbvio que está em vias de extinção, pode-se verificar de forma razoável como fazer a demarcação para integrar a região e possibilitar condições de manutenção da comunidade", defendeu.

"Não basta dizer mora aí"

Moraes lembrou o caráter social das demarcações, que devem ter como objetivo o resgate da dignidade dos povos, sejam indígenas ou quilombolas.

"Não basta dar a terra e dizer mora aí, temos que garantir a perdurabilidade", disse. Para o professor, é preciso que haja regras de produtividade, de alteração da estrutura da comunidade, até porque ela sofre restrições ambientais e de soberania nacional.

Decisão

O acórdão do STF estabeleceu o dia 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a realização de estudos antropológicos para fins de identificação de áreas indígenas e quilombolas.

Fica impedida a ampliação de terras indígenas, o que visa evitar a fraude da "proliferação de aldeias", e passa a ser permitido a outros profissionais, além dos da Fundação Nacional do Índio (Funai), o acompanhamento dos estudos demarcatórios.
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