Dsei é uma 'caixa preta' e precisa ser aberta, diz liderança à CPI

Imagem: CPI da Saúde conclui rodada de oitivas e dá inicio a relatório sobre saúde em MS.
CPI da Saúde conclui rodada de oitivas e dá inicio a relatório sobre saúde em MS.
03/10/2013 - 19:15 Por: Nathália Barros    Foto: Roberto Higa

Apesar de os assuntos indígenas serem de competência exclusiva da União, a CPI da Saúde decidiu abrir um capítulo sobre o assunto. A medida foi tomada depois que indígenas foram ao plenário no dia 26 de setembro pedindo a exoneração do coordenador do Dsei/MS (Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul), Nelson Carmelo. Esta foi a última oitiva da CPI.

“Antes de serem indígenas, eles são sul-mato-grossenses. Não podemos nos omitir. Precisamos saber o que está acontecendo”, disse o presidente da comissão, deputado estadual Amarildo Cruz (PT).

Para abordar a questão, os deputados ouviram na tarde desta quinta-feira (3/10), no plenário da Casa de Leis, além de Carmelo, o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena de MS, Fernando da Silva Souza.

Mais conhecido como Fernando Terena, por fazer parte da etnia, a liderança aproveitou a oportunidade para falar sobre as condições precárias de assistência à saúde indígena oferecidas pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), por intermédio do Dsei/MS.

"A Sesai foi criada em 2010 pelo Ministério da Saúde com o intuito de coordenar e executar o processo de gestão da saúde básica de indígenas. Uma tentativa de acabar com os problemas da assistência oferecida, anteriormente, pela Funasa [Fundação Nacional de Saúde]. Entretanto, o resultado da mudança está longe do esperado”, comentou Fernando Terena.

Ele contou que os recursos praticamente dobraram, passando dos antigos R$ 30 milhões para os atuais R$ 50 milhões. O número de profissionais de saúde destinados à assistência também aumentou. Antes eram cerca de 700 e agora são 1.200. Entretanto, a quantidade de atendimentos despencou. Para ele, esse é o reflexo da má gestão feita por Carmelo.

“O problema é que o Nelson Carmelo adotou um modelo de gestão centralizado. Não ouve as lideranças, não vai às aldeias e, com isso, não sabe o que de fato importa, como estrutura para a realização do trabalho dos profissionais da saúde”, expôs Fernando Terena ao contar que os atendimentos odontológicos são feitos em carteiras escolares e é necessário utilizar baldes como depósito de saliva.

Sucatas - Frota de veículos e equipamentos essenciais para a assistência à saúde, conforme Fernando Terena, estão sucateados.

“Como normalmente as comunidades indígenas estão afastadas dos centros urbanos, os veículos, para transportar a população às unidades de saúde, são essenciais. Mas, os carros estão em péssimas condições. Só para ilustrar, uma vez, um veículo 'perdeu' a roda com todos os passageiros dentro. Isso por causa de omissão, já que os problemas com a roda haviam sido relatados ao coordenador de área inúmeras vezes. Como resposta, o motorista sempre ouvia: 'continua rodando mais um pouco, depois mandamos para a manutenção'", revelou Terena, defendendo a manutenção preventiva dos equipamentos.

Caixa Preta - Na oportunidade, Fernando Terena relatou indícios de irregularidades que podem estar ocorrendo na atual gestão. “O primeiro item que leva a gente a acredita que há irregularidades é que as contas do Dsei, que deveriam ser levadas ao conhecimento do Conselho Distrital de Saúde Indígena, são ocultadas. Não temos acesso de jeito nenhum. Além disso, há indícios de direcionamento de licitações e relatos de favorecimento, em que o coordenador de área contratou o genro para oferecer o serviço de mecânica automotiva”. Para ele, os deputados precisam “abrir a caixa preta”.

O coordenador do Dsei/MS, por outro lado, entende que a dificuldade de gestão está no modelo adotado pelo Governo Federal que trata a assistência aos indígenas como sendo diferente, mas não dá condições efetivas para que o tratamento seja feito de forma diferenciada.

“Não temos recursos humanos suficientes para conseguir viabilizar os processos de licitação, por exemplo, para dar início a obras de construção e ampliação de postos de saúde”, frisou.

Carmelo explica que, como os postos de saúde não são de propriedade da Sesai, o Dsei/MS não pode promover qualquer tipo de benfeitoria, o que estaria prejudicando o processo. “Esperamos que as prefeituras, que detêm a propriedade dos postos, cedam os prédios para nós e, com isso, consigamos começar as intervenções. Além disso, precisamos de amparo legal para, só então, poder adquirir os itens necessários para a boa atuação do Dsei”, relatou ao pedir paciência aos índios e deputados, defendendo que o Distrito é um órgão novo, com um ano e meio de atuação.

O coordenador do Dsei/MS informou que, com a criação do órgão e fim da atuação da Funai (Fundação Nacional do Índio), no que diz respeito aos cuidados destinados aos indígenas, o Distrito Sanitário ficou desassistido, sem maquinários ou qualquer outro tipo de equipamento, além de déficit de recursos humanos.

“Nós contamos com o apoio da Funai no primeiro ano de trabalho, mas no ano seguinte tivemos que aprender a andar com as próprias pernas”, justificou. No entanto, de acordo com Fernando Terena, a Funasa teria oferecido apoio no ano seguinte, mas “por desavenças pessoais entre o Nelson Carvalho e o responsável pela Funasa, o apoio não foi aceito. A Funasa ofereceu tanto a estrutura quanto o pessoal, mesmo assim ele não aceitou”.

Relacionamento - Um dos maiores empecilhos para a solução da saúde indígena, conforme Fernando Terena, está no relacionamento entre o coordenador regional e as lideranças indígenas.

“Desde que ocupamos o prédio do Dsei, lá pelo dia 20 de setembro, o coordenador não falou com nenhum participante da mobilização. Essa é a postura dele em todos os momentos. Ele não vai às aldeias para saber o que está faltando, para saber qual o tipo de assistência que cada tribo necessita. Além disso, Nelson Carmelo costuma levar tudo para o lado pessoal. Como sou o presidente do Conselho e, por isso, responsável por levar os problemas e buscar soluções junto a ele, me tornei uma pessoa malquista”, lamentou.

Afirmação confirmada por Nelson Carmelo, que disse categoricamente não ter uma boa relação com Fernando Terena. “Não tenho problemas com o Conselho. Mas, meu relacionamento com o presidente não é bom”, ressaltou.

Até o dia 23 de outubro, o relator da CPI, deputado estadual Junior Mochi(PMDB), deverá apresentar o documento. Ele ressalta que o relatório final será encaminhado ao Ministério da Saúde, dentre outros órgãos federais. “Então acredito que essa oitiva não aconteceu em vão”, pontuou.
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