Audiência revela que MS tem casos de hanseníase 4 vezes maior que o aceitável

Imagem: Hansenianos ficaram isolados em Campo Grande de 1941 a 1986
Hansenianos ficaram isolados em Campo Grande de 1941 a 1986
14/09/2015 - 19:04 Por: Fernanda Kintschner    Foto: Wagner Guimarães

Dados apresentados pela Vigilância Sanitária em audiência pública realizada nesta segunda-feira (14/9) na Assembleia Legislativa apontaram que em Mato Grosso do Sul 1.067 pessoas foram diagnosticadas com hanseníase no último ano, número quatro vezes maior do que o aceitável pela Organização Mundial de Saúde, que estipula 10 casos para cada 100 mil habitantes.

Com o alto número de famílias afetadas pela doença, a proposta de uma audiência pública para discutir o tema partiu do deputado Amarildo Cruz (PT), que em parceria com o Morhan (Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase), se comprometeu a reorganizar o Movimento no Estado.

“A audiência foi importante para discutir formas de enfrentamento da doença, aprimoramento do controle por meio do Governo do Estado, como cadastrar essas pessoas e o oferecimento de exames pela atenção básica. Também vamos estudar a possibilidade de pedir por lei uma indenização aos filhos que foram separados de pais hansenianos a partir de uma política sanitária equivocada”, resumiu o deputado Amarildo Cruz.

Campo Grande participou da política de isolamento com a fundação do hospital São Julião em 1941, local que privou a saída de pessoas em tratamento até 1986, de acordo com o diretor-administrativo, Hamilton Fernandes. “Infelizmente a regra no país era a segregação. A cura já existia, mas o remédio só chegou ao Brasil em 1986. No hospital tínhamos cadeia, teatro, cemitério, o educandário para os filhos de pais isolados. Hoje é bem diferente, se tem o conhecimento de que a pessoa se trata em casa tomando remédios e que já na primeira dose evitam o contágio”, explicou o diretor.

Segundo o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio Moreira de Souza, há cinco projetos de lei tramitando em âmbito federal pedindo a indenização aos filhos. Os pais isolados já recebem uma indenização pelo transtorno causado na época, amparados pela Lei 11.520/07. “A indenização não vai reparar a dor, mas vai ser um reconhecimento importante quanto a essa política que foi classificada como um crime de Estado e mostrar que é uma doença que precisa ser erradicada”, afirmou Artur.

Preconceito - Em depoimento na audiência, Aldenir Araújo relembrou quando seu pai foi retirado de casa em 1977, quando a família morava em Caarapó (MS). “Ele foi trazido a força para tratamento em Campo Grande e minha mãe não aguentou criar os oito filhos e viemos parar no Educandário. Cheguei com nove anos de idade e fiquei até 1990, quando saí casado. Foi muito doído. O preconceito era e ainda é muito grande”, resumiu Aldenir.

Para levar mais informações à população, o deputado Amarildo Cruz afirmou que deve apresentar em breve um projeto de lei para criar o Dia Estadual do Combate à Hanseníase, com ações de conscientização e acesso ao diagnóstico precoce. Quanto à indenização, o parlamentar explicou que seria um único aporte em um valor a ser estudado, em média inicial de R$ 50 mil por filho, pagos pelo Governo Federal.

Entenda a doença - De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença infecciosa causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae. Foi descoberta em 1873 e pode ser transmitida por secreções do nariz ou saliva do paciente. Não há transmissão pelo contato com a pele do paciente. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking geral de casos descobertos anualmente - uma média de 49 mil na última década.



A hanseníase acomete primeiro a pele e os nervos periféricos e pode atingir também os olhos e os tecidos do interior do nariz. O primeiro e principal sintoma é o aparecimento de manchas de cor parda e com limites imprecisos. O tratamento é gratuito e fornecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) com a administração de antibióticos por seis meses, nas formas mais brandas (paucibacilar), ou por um ano ou mais já nas formas mais graves (multibacilar). A prevenção se dá pela higiene constante e mantendo a imunidade alta com boa alimentação e atividade física regular.

Também participaram da audiência representantes do (Iphan Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) com informações sobre a possibilidade tombamento do São Julião, representantes da Saúde do Governo do Estado e da Prefeitura de Campo Grande, do Ministério Público, do Conselho Estadual de Direitos Humanos e da  Enfermagem da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) que ofereceu orientações sobre a doença por meio do projeto de extensão Ladipe (Liga Acadêmica de Doenças Infecto-Parasitárias em Enfermagem), como alternativa ao Hospital São Julião e aos postos de saúde. Saiba mais sobre o Ladipe acessando www.facebook.com/ladipeufms e sobre o Morhan em http://www.morhan.org.br.

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