Depoentes em CPI acreditam em omissão sobre violências contra indígenas de MS

Imagem: A reunião ocorreu no plenário Júlio Maia
A reunião ocorreu no plenário Júlio Maia
17/03/2016 - 18:49 Por: Fernanda Kintschner    Foto: Wagner Guimarães

Em depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a ação/omissão do Estado nos casos de violência praticados contra os povos indígenas entre 2000 e 2015, o coordenador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) de Dourados, Vander Mishijima e o professor Antônio Hilário Aguilera Urquiza consideraram que há, historicamente, omissão do poder público em diversos contextos que envolvem os índios de Mato Grosso do Sul.

O presidente da Comissão, deputado João Grandão (PT), reforçou que a CPI colhe depoimentos sobre os diversos casos de violência, “não somente a violência física, mas a psicológica e a de privação de direitos, por exemplo”.

Dentre a violência citada por Mishijima está um levantamento da Funai em Dourados quanto aos desrespeitos de leis federais que resguardam que as obras públicas devem ser construídas em um raio de até 10km das aldeias. “O Estado construiu rodovias passando em terras indígenas, por exemplo, na MS 180. Na MS 156 também, onde sequer houve compensação de terra como a lei garante. Eles perderam 12 hectares. Dentre as consequências registramos atropelamentos, mais de dez moradias ao lado da rodovia ficaram alagadas e isso é falta de segurança”, disse.

Outros pontos citados pelo depoente é a falta de atendimento da Polícia Militar em casos de crimes nas aldeias e a violência psicológica sofrida pelas crianças indígenas que são retiradas do convívio familiar compulsoriamente. “Se há conflito em que os pais perdem a guarda, os avós ou familiares próximos têm o direito de cuidar da criança, se não têm a segunda opção é ficar com membros da etnia e isso não tem sido respeitado. As crianças têm ido direto para abrigos, de outra realidade, sem dominar a língua portuguesa e ficam até anos longe da família até ir para a adoção. Descobrimos mais de cem casos assim e intervimos para acompanhar. Se pensarmos nesses exemplos houve omissão sim”, explicou.

Para o segundo depoente do dia, professor Antônio Hilário Aguilera Urquiza, também houve omissão. “Os três poderes estão omissos na questão indígena, em nível federal, estadual e municipal. Porém, vejo uma situação muito ampla, um etnocídio, que chega a ser maior que uma população exterminada, mas também da cultura de um povo. Querer incriminar somente o Estado não há como, mas é um conjunto de situações de omissão por 500 anos de colonização, pois esses povos tradicionais estão sendo relegados há muito. Há falta de conhecimento acerca da diversidade e diferença deles, um preconceito pela ignorância da riqueza da cultura”, considerou.

Ele também argumentou que há omissão do Estado no âmbito da Segurança Pública. “Quando o indígena é réu a Justiça é rápida, mas quando é o contrário é lenta. Em 2009 cataloguei mais de cem indígenas presos sem julgamento, uns com anos de espera. A lentidão em descobrir quem estava envolvido na morte do líder indígena Marçal de Souza foi tanta que o processo já até caducou e não acharam os responsáveis. Isso é frequente em todo o Brasil. Há falta de aparelhamento da Justiça e da Polícia”, ressaltou o antropólogo.

Urquiza afirmou ainda ter atuado como perito da Justiça Federal para a composição de laudos de processos de terras originárias indígenas e vê omissão na questão da resolução do conflito pela terra. “Há um desaparelhamento da Funai, de quadros, de orçamento, ela é criticada por todos os lados, isso compromete profundamente sua atuação. A falta de espaço nas terras geram uma série de problemas, de saúde, de segurança. Os constantes suicídios, quando a pessoa chega a isso ela tá no limite da existência. A raiz está no usufruto da terra e isso também é omissão em não priorizar esse direito. Existe a violência entre os próprios indígenas, com a situação de confinamento que eles estão é claro que existe conflito. Na saúde eles também sofrem. Tem cartório se negando a registrar os índios”, contextualizou.

Investigação

Para subsidiar a investigação da CPI, a relatora Antonieta Amorim (PMDB) pediu para que os dois depoentes enviassem documentações que comprovem os casos citados. “Precisamos de nomes, datas, fato relatado, para que tenhamos um relatório o mais fiel possível”, argumentou.

“Os depoimentos mostraram situações graves. Temos que investigar onde está ocorrendo de fato essa omissão, por exemplo, nos presos sem julgamento citados pelo professor”, ressaltou a vice-presidente da Comissão, deputada Mara Caseiro (PSDB).

A CPI ainda aprovou nesta reunião as convocações do indígena Anastácio Peralta e do procurador do Ministério Público Federal Charles Estevão da Mota Pessoa. Além dos já citados, também compõem a CPI os deputados estaduais Paulo Corrêa (PR) e Professor Rinaldo (PSDB).

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