Na tribuna, Kemp repudia PEC que transfere demarcação de terras indígenas ao Senado
27/03/2012 - 16:04
Por: Jacqueline Lopes
Foto: Giuliano Lopes/Arquivo
Pedro Kemp disse que o dispositivo emperra de uma vez por todas as possibilidades do País garantir o que preconiza a Constituição, de devolver para os índios as áreas tradicionais com base em estudos antropológicos. “Essa é uma luta que tem que contar com o apoio de toda a sociedade. Essa PEC 215 foi aprovada na CCJ por uma bancada ruralista, mais reacionária e de direita. Minha preocupação é que com isso não vamos mais ter demarcação porque se joga para o Congresso acaba! Lá estão 513 deputados e 80 senadores. É entrar para uma discussão sem fim. Isso é inconstitucional!”.
O deputado Laerte Tetila (PT) pediu para fazer um pronunciamento sobre o problema e segundo ele, no Estado, o município de Japorã é um dos exemplos da morosidade no processo demarcatório. Os guaranis caiuás aguardam há três décadas uma solução do governo federal e o impasse e depois de muito confronto, o impasse está emperrado na Justiça. Conforme Tetila, o relatório apresentado na CCJ cita Mato Grosso do Sul como Estado que deverá deixar 30 mil agricultores sem trabalho com a demarcação de 10 milhões de hectares. Afirmações consideradas por Kemp e Tetila como inverdade e ato de terrorismo. “Infelizmente isso está acontecendo em um País continente como o nosso que tem tudo para dar certo”, diz Tetila. “Medidas administrativas têm que estar nas mãos do Executivo. Quem descordar, tem o Poder Judiciário para apresentar recurso. Manifesto aqui a minha preocupação”, acrescenta Kemp.
“O guarani caiuá não quer toda a terra, quer a terra sagrada dos seus ancestrais, onde estão sepultados, onde o índio pertence aquela terra”
(Anastácio Peralta, guarani caiuá, coordenador da Aty Guassu, Panambizinho – Dourados)
Em Mato Grosso do Sul, onde a população indígena estimada é de cerca de 74 mil, a PEC 215 foi vista com muita apreensão pelas lideranças dos povos nativos. De Dourados, o coordenador da Aty Guassu, o caiuá Anastácio Peralta, disse que a preocupação hoje impera e a PEC 215 é inconstitucional. “Os parlamentares em Brasília antes de cumprir o que tinham que cumprir ficam inventando outro artigo para não sair as demarcações. É a negação do direito de um povo”.
Peralta acrescenta ao dizer que “foi uma luta para conseguir colocar o direito à terra na Constituição de 1988, agora vem os grandes latifundiários, donos dos bois e soja mudar a lei. Nosso país não é soberano e tem soberania só para quem sempre explorou”.
Sobre o tamanho da área reivindicada, o líder caiuá afirmou que é preciso que as pesquisas antropológicas sejam concluídas para saber se é 5 mil ou 10 mil hectares. Ele chamou de inverdade os dados do relatório da CCJ.
“O guarani caiuá não quer toda a terra, quer a terra sagrada dos seus ancestrais, onde estão sepultados, onde o índio pertence aquela terra”. “O branco pertence ao grande latifúndio. Nós que pertencemos a terra. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil não vai deixar isso seguir em frente. Até o Sarney Filho e o padre da Paraíba (Luiz Couto PT-PB) disseram que essa PEC é inconstitucional. Temos alguns conscientes. O que tem valor para outros é o boi, a cana, a soja e não, o ser humano”.
Os grupos indígenas de Mato Grosso do Sul são os guarani (caiuá e ñadewa), terena, atikum, guató, kadiwéu, kamba, kinikinawa, ofaié e xiquitano.
A POLÊMICA DA PEC 215
Em uma sessão tumultuada, a CCJ da Câmara aprovou o parecer favorável da proposta de PEC 215. Em tramitação no Congresso há 12 anos, de autoria do deputado Almir Sá (PPB-RR), inclui entre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas. Estabelece ainda que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei.
Representantes de tribos indígenas de vários estados do país acompanharam a reunião da CCJ e protestaram todas as vezes que parlamentares defendiam a aprovação da PEC. A segurança da Casa chegou a ser chamada para conter os índios que, por várias vezes, se manifestaram.
Foram mais de quatro horas de debates entre deputados do PT, PV e PCdoB, contrários à PEC, que obstruíram a votação, e representantes da bancada ruralista, favoráveis ao texto. Para tentar evitar a votação do relatório, parlamentares petistas e do PV entraram em processo de obstrução apresentando vários requerimentos para adiamento da votação. Contudo, em maior número, os deputados ruralistas conseguiram manter a votação e aprovar o relatório.
“Essa PEC é um retrocesso não só para os povos indígenas, mas também para as comunidades quilombolas", disse o deputado Luiz Couto (PT-PB), autor de um dos requerimentos para adiamento da votação. Segundo ele, com a aprovação da PEC, se houver um conflito, o governo não poderá atuar imediatamente, porque será necessária autorização do Congresso. "Esta PEC vai provocar um clima de violência”, afirmou Couto.
Para o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), a PEC aprovada hoje na CCJ "é flagrantemente inconstitucional", porque altera o equilíbrio entre os poderes. "[A PEC] fere o que poderia ser uma clausula pétrea, do direito da terra para os índios”, acrescentou.
Defensor de um requerimento pelo adiamento da votação por cinco sessões, Alessandro Molon (PT-RJ) citou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol para ressaltar que o processo de demarcação é legítimo e deve continuar a ser feito pelo Executivo. “É a nova fronteira agrícola dos ruralistas. Esperamos contar com a mobilização da sociedade civil para reverter o erro cometido hoje pela CCJ.”
Favorável à proposta, Eliseu Padilha (PMDB-RS) afirmou que a matéria é constitucional. “Não há ofensa na separação dos poderes", disse ele, ao explicar que a nação renuncia ao direito de legislar sobre essa questão e que os parlamentares representam a nação.
O deputado Roberto Freire (PPS-SP) também defendeu a constitucionalidade da PEC. “Estamos discutindo uma proposta de emenda à Constituição, que trata de ordenamento e remete essa competência [de demarcação] ao Congresso Nacional. Temos a tripartição dos poderes e nada aqui atenta à União, porque somos o Poder Legislativo da União”.
Mendonça Filho (DEM-PE) criticou a postura petista, que, para ele, tem o intuito de "procrastinar" e retardar a aprovação da PEC. "Ao contrário do que dizem, não existe nenhum propósito de rever os atos praticados pela legislação que queremos alterar”.
“Aqueles que estão contra a PEC estão defendendo interesses externos, e não dos índios. Aqui ninguém é contra índio", disse o deputado Francisco Araújo (PSD-RR).
Sarney Filho (PV-MA) alertou que a proposta pode provocar mais violência no campo. “Os fatos nos dizem que, quando há insegurança jurídica, há violência", afirmou o deputado. “Não gostaria de subir á tribuna na semana que vem para anunciar violência e mortes”, completou.
Segundo Ivan Valente (PSOL-SP), a PEC aprovada hoje é um retrocesso no direito dos povos indígenas e tem a ver com a pressão para aprovação do Código Florestal. "É a mesma turma que está pressionando para votar o Código Florestal", disse Valente, que apontou "interesses econômicos e imediatistas para ocupar terras que já estão ocupadas e impedir futuras demarcações" entre os que apoiam a PEC.
Aprovada a admissibilidade da PEC, cabe agora ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), criar uma comissão especial para discutir o mérito da proposta. Se aprovada nesta comissão, a matéria terá que ser aprovada em dois turnos pelo plenário da Casa, para, em seguida, ser votada no Senado. (Com informações da Rede Brasil Atual)
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