Propostas de audiência apontam soluções para um melhor atendimento na rede de oncologia do SUS

Imagem: O evento contou com uma qualificada mesa de especialistas, composta por oncologistas, gestores, advogados, pacientes e usuários dos serviços de saúde,
O evento contou com uma qualificada mesa de especialistas, composta por oncologistas, gestores, advogados, pacientes e usuários dos serviços de saúde,
06/05/2015 - 15:29 Por: Daniel Machado    Foto: Wagner Guimarães/ALMS

Um primeiro passo importante foi dado na tarde de ontem (5) na Assembleia Legislativa rumo a um atendimento melhor, mais digno e humanizado aos pacientes com câncer em estado avançado no SUS (Sistema Único de Saúde).

Por proposição do deputado estadual João Grandão (PT/MS) foi realizada a audiência pública “Tratamento Avançado do Câncer e a Regulação do Acesso à Assistência à Saúde no SUS em MS”.

O evento contou com uma qualificada mesa de especialistas, composta por oncologistas, gestores, advogados, pacientes e usuários dos serviços de saúde, defensores públicos e representantes do executivo, legislativo, de ONGs de combate ao câncer e da sociedade civil.

Além da angústia e da dor que afligem os pacientes com câncer, eles invariavelmente acabam sofrendo também com a má qualidade do atendimento oncológico do SUS (Serviço Único de Saúde), principalmente nos casos em que a doença atinge seu nível mais avançado ou metastático.

No entanto, mais do que problemas, a audiência serviu para apontar algumas proposições e saídas para reverter esse tenebroso quadro, que coloca Mato Grosso do Sul em destaque no mapa brasileiro do câncer, liderando o ranking de mortalidade por câncer de mama (20,6 mulheres a cada 100 mil) e de colo de útero (14,0 em cada 100 mil) na região Centro-Oeste, segundo Síntese de Indicadores Sociais do IBGE.

O advogado Thiago Turbay, assessor de Relações Governamentais da Femama (Federação Brasileira das Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), elogiou o pioneirismo e inovação da audiência no âmbito do legislativo e lamentou as assembléias legislativas de outros estados terem tanta dificuldade de se ver como parte integrante na temática de políticas públicas de combate ao câncer.

Para ele, a solução para os serviços de oncologia do SUS passa pela descentralização dos procedimentos e interiorização dos sistemas de humanização, além de maior transparência, acompanhamento e divulgação das decisões da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), órgão que define as técnicas, tratamentos, medicamentos e diretrizes a serem adotados na rede pública de saúde.

“Há 13 conselheiros da Conitec que analisam protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, que envolvem técnicas, novos medicamentos e procedimentos. Porém não há acompanhamento nem divulgação adequada dessas decisões. Faz-se um relatório, é colocado em audiência pública, mas o documento técnico, que deveria ser melhorado por especialistas, pacientes e toda a população. No entanto, somente 1% a 2% dos interessados comparecem”, lamentou ele, que sugeriu que o legislativo estadual pode ajudar mais nesse ponto.

“A Assembleia Legislativa tem a prerrogativa e pode requerer à Conitec, fazer um pedido de submissão desses documentos técnicos, como é feito já em São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina”, acrescentou.

O assessor do Femama definiu como legítima a queixa que invariavelmente se faz sobre a falta de recursos para os serviços de saúde de média e alta complexidade, no entanto para ele o problema também está na gestão das verbas públicas.

“Muitos dizem: ‘não temos dinheiro!’, mas dentro do sistema de compra do Ministério da Saúde há um índice de desconto para compra centralizada que nunca foi aplicado. Produtos para medicamentos de combate ao câncer tem até 30% de desconto. Deveria se pagar o preço de fábrica, fazer um desconto relativo ao Confaz e ainda aplicar o coeficiente de compra governamental. Se tivéssemos essa fiscalização, que é prerrogativa da Assembleia Legislativa, estou certo que sobrariam mais recursos”, disse.

Outra falha, para ele, está nos registros de atendimento dos pacientes, no Brasil monitorados pelo Siscan (Sistema de Informação do Câncer). “No nosso País temos mais de 5500 municípios e somente 1400 municípios acessaram o Siscan. Esse percentual me dá uma pista de que não conhecemos o câncer no Brasil. E dos que se registraram no Siscan, mais de 40% chegam em estágio avançado, ou seja, o paciente já entra no SUS atrasado e ainda tem de aguardar dois meses para iniciar o tratamento”, disse ele, em referência à Lei Federal 12.732, que estabelece prazo máximo de 60 dias, à partir do diagnóstico, para que pessoas com câncer iniciem o tratamento pelo SUS.

Sobre esta Lei, aliás, diversos especialistas da mesa reconheceram sua importância, mas propuseram a redução desse prazo para 30 dias. E maior eficiência no Siscan.

“Ok, 60 dias está longe do ideal, mas pelo menos temos 60 dias. O problema é que essa Lei não é aplicada em mais de 40% dos registros que chegam ao Siscan. Trinta dias seria melhor, as vezes 10 dias já fazem diferença e salvam umas 50 mil vidas. Mas, volto a dizer, que tudo isso é barrado pela ineficiência do sistema”, pontuou Turbay, advertindo que para reverter esse quadro seria necessário uma participação mais efetiva e maior co-responsabilidade entre todos os entes federativos (União, estados e municípios) para que a saúde básica (cujo gestor é o município) “converse” com a saúde de média e alta complexidade para a humanização do atendimento e um acompanhamento do histórico e progresso clínico de cada paciente.

Além do mais, para o doutor Naildo Alonso Faustino, a lei dos 60 dias é comprometida em um procedimento oncológico mais complexo. “Além do serviço público não cumprir esse prazo, numa biópsia incisional tem o tempo de uns 40 dias para que o laboratório de anatomia patológica entregue os exames. Isso vai para o centro de regulação. O ideal seria 30 dias, prazo em que não há piora no prognóstico à partir da biópsia”, defendeu o médico, que também criticou o sistema de informação.

“Cerca de 95% dos casos não são rastreados. Essa média em outros países não passa dos 30%. Se eu chego no SUS, eu abro uma inscrição e ali o paciente já tem que passar a ‘existir’ para o Siscan”.

Fiscalização da disponibilização de todos os medicamentos que constam no rol do serviço oncológico do SUS; acompanhamento do efetivo cumprimento das leis 12.732/12 e 12.802/13 (esta última garante não só a cirurgia plástica reparadora em mulheres que retiraram a mama em razão do câncer, mas também a reconstrução imediata do seio); e fiscalização do trabalho da Conitec para que seja garantido o princípio da igualdade entre o atendimento no SUS e na rede suplementar (planos de saúde particulares); além da Emenda Constitucional 86, que determina a parlamentares da Câmara dos Deputados a destinação de 50% do orçamento impositivo individual à área da saúde e a solicitação de investimento na reestruturação da rede de média e alta complexidade e a inclusão de novos protocolos clínicos.

Essas e outras demandas de fiscalização e acompanhamento foram levantadas pelos convidados como prerrogativas legítimas do poder legislativo estadual.

Para o presidente da Cassems, Ricardo Ayache, é preciso investir mais em prevenção e na descentralização da rede. Ele apresentou números.

“Investe-se muito pouco ainda no País em políticas preventivas. No primeiro estágio do câncer, as chances de cura são de 95% e, na fase mais avançada, cai para 20% e com um custo progressivamente maior, que pode chegar a R$ 100 mil por paciente”, disse.

“Se não qualificarmos o atendimento, teremos ad eternum, um sistema extremamente sobrecarregado e insustentável, do ponto de vista econômico. E somente 25% da população tem acesso a planos de saúde privados. Até onde as demais famílias terão condições para arcar com esse gasto, que hoje compromete 8% da renda da família brasileira?”, indagou Ayache, que também defendeu a descentralização do atendimento.

“É preciso haver um investimento maciço na prevenção e um aumento das ‘portas de acesso’ com a descentralização do serviço, o aprimoramento do programa de regulação e uma vigilância ativa por meio de profissionais de saúde treinados para assistir ao paciente do diagnóstico até sua cura, seguimento ou morte”, advertindo ainda para a necessidade de uma maior integração de informações entre os mais diversos serviços. “Após o primeiro atendimento, o paciente acaba se perdendo na rede”, lamentou.

Para Flávia Robert, diretora jurídica da Cassems, é necessário ampliar ainda mais esse debate. “Quero elogiar a iniciativa do deputado João Grandão em estimular esse debate, mas precisamos dar continuidade e incluir a indústria farmacêutica nessa discussão, que são os grandes beneficiados dos testes que são realizados nos tratamentos experimentais. Quem vai custear essa experiência no ser humano, uma vez que os pacientes não se submetem a protocolos de pesquisa científica, convidar também a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que tem papel fundamental na fiscalização das leis, verificando as circunstâncias em que não são cumpridos os prazos.
Debate – Ao ser aberto o microfone para o público presente, o debate seguiu contando com importantes contribuições.

Exaltando também iniciativa da audiência, Margarete Gaban, assessora administrativa do Hospital de Câncer de Campo Grande Alfredo Abrão, argumentou que é preciso fiscalizar também as fraudes que ocorrem no SUS por alguns gestores e médicos que trabalham dentro da própria rede.

“Sem citar nomes, sabemos que há médicos credenciados que encaminham pacientes do SUS para seus consultórios particulares para a realização de consultas e exames a um custo nada baixo”, denunciou.

Ela comentou ainda sobre a “judicialização” e o desequilíbrio do financiamento do sistema.

“Recentemente, um paciente no hospital precisava de um tratamento que custava R$ 28 mil, somente de medicamentos. E o SUS paga R$ 2 mil. Aí ele consegue por vias judiciais, o judiciário entrar contra o gestor municipal e a esfera federal paga R$ 2 mil, enquanto o município é obrigado a arcar com os R$ 26 mil restantes. Já houve época em que o município colocar 25% dos seus recursos na Saúde”, disse Margarete, que trouxe sua experiência à audiência, de gestora do SUS.

O presidente da Sociedade de Cancerologia, Eulalio Costa, parabenizou a iniciativa e lembrou que no mês de agosto ocorre a renovação da habilitação dos serviços oncológicos do SUS. “É uma espécie de alvará que garante que cada estabelecimento está habilitado a funcionar e apto a receber os recursos complementares do SUS em cada serviço de oncologia”, disse ele, que convidou os deputados presentes a acompanhar esse trabalho.

Próximos passos – Ao final, o proponente de audiência, deputado João Grandão, atendendo a pedidos dos convidados e demais participantes, se prontificou a realizar uma nova audiência pública dentro dos próximos quinze dias. “O assunto é amplo e esse é apenas o primeiro passo. Nossa intenção é continuar esse debate. Vamos nos reunir com alguns representantes aqui para formatar uma nova proposta e realizar uma audiência ainda mais propositiva”.

O deputado também acolheu a proposta de liderar, juntamente com a deputada Mara Caseiro (PTdoB), presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, uma Frente Parlamentar de Combate ao Câncer. “Daria um peso institucional e fortaleceria o debate”, pontuou.

A deputada, que falou também como paciente que já teve câncer de mama, em 2006, e utilizou seu próprio exemplo para exaltar a importância do diagnóstico precoce, se colocou à disposição de futuros debates. “O senhor tem em aqui uma parlamentar parceira, deputado João Grandão, conte comigo para construirmos políticas públicas que possibilitem o acesso a tratamentos de melhor qualidade”.


Deputado João Grandão
Assessoria de Comunicação – Daniel Machado
Tels: 3389-6331 / 9618-0013
Permitida a reprodução do texto, desde que contenha a assinatura Agência ALEMS.
Crédito obrigatório para as fotografias, no formato Nome do fotógrafo/ALEMS.