Suicídio, necessidade de atenção e preconceitos foram debatidos em seminário

Imagem: Orquestra Raízes de Acordeons e Violões abriu o seminário, que tratou sobre o enfrentamento da violência contra os idosos
Orquestra Raízes de Acordeons e Violões abriu o seminário, que tratou sobre o enfrentamento da violência contra os idosos
19/06/2018 - 18:50 Por: Osvaldo Júnior   Foto: Wagner Guimarães

Preconceito, abandono, suicídio, necessidade de atenção especial e crimes diversos contra idosos estiveram entre as questões centrais debatidas na tarde desta terça-feira (19) durante o 3º Seminário Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Pessoa Idosa. O evento, promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Pessoa Idosa, presidida pelo deputado Renato Câmara (MDB), foi realizado no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS), em Campo Grande, e contou com aproximadamente 200 participantes.

“No passado, os idosos tinham mais valor?”, questionou, retoricamente, o coordenador da Universidade Aberta à Pessoa Idosa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Eduardo Ramirez Mesa, que proferiu a palestra “Violência contra pessoas idosas: o que governo e sociedade precisam saber para enfrentá-la?”, a primeira das três ocorridas durante o seminário.

A essa questão, ele notou que é equivocado pensar que, no passado, o respeito ao idoso era maior. “Não há nenhum estudo que respalde isso”, disse. Ao contrário, continuou o palestrante, pesquisas sobre alguns povos antigos mostram que havia o costume de deixar a pessoa mais velha morrer em local isolado quando acreditavam que não era mais útil à tribo.

“Avançamos muito”, afirmou Mesa. “A decisão política de universalizar direitos e proteger todos os idosos é nova, própria deste momento histórico da consciência nacional”, notou.

Apesar disso, é preciso superar a barreira dos preconceitos, segundo avaliou o palestrante. “Na base da violência contra a pessoa idosa, encontra-se o preconceito”, observou Mesa. Conforme ele, o envelhecimento, algo natural, é considerado negativo devido à representação social da velhice. “São estereótipos associados ao idoso, como pessoa doente, rabugenta, excêntrica”, acrescentou.  

Suicídio

A internalização desses estereótipos pelos idosos pode desembocar, em situações extremas, no suicídio, tema abordado na segunda palestra, proferida pelo psicólogo Eduardo Pelliccioli, mestre em Psicologia da Saúde da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). O título da palestra de Pelliccioli foi “Negligência, depressão e suicídio de pessoas idosas: um olhar sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento humano”.

De início, o psicólogo apresentou números alarmantes sobre suicídio entre idosos. Dados do Boletim Epidemiológico (2017), publicação da Secretaria de Vigilância em Saúde, aludidos por Peccioli, mostram que, no Brasil, há 5,5 casos de suicídio para cada 100 mil habitantes. Entre pessoas com 70 anos ou mais, essa taxa sobe para 8,9. Na liderança dessa estatística, estão os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

Ele informou, ainda com base no Boletim Epidemiológico, que o crescimento do índice de suicídio no País é mais acentuado entre idosos. O estudo também verificou que a forma mais comum de suicídio é o enforcamento e identificou o perfil das pessoas com mais de 70 anos que tiraram a própria vida: solteiro, viúvo ou divorciado.

“Falar sobre suicídio nunca é agradável. Mas é um problema de saúde e temos de enfrentá-lo. Assim, precisamos falar sobre esse assunto”, argumentou. “Quem se matou não é porque não pensava na vida. Ao contrário, pensava demais, mas não tinha com quem conversar”, atentou. Não ter com quem falar sobre a vida está relacionado com a solidão. E aqui está ponto crucial do problema, segundo avalia o professor. “O desamparo leva ao suicídio”, alertou.

A redução desse quadro, está, então, na outra ponta: a companhia, a convivência familiar e social. “Alguns fatores importantes de proteção são: apoio da família, dos amigos; integração social, com trabalho, inter-relações construtivas, lazer; experiências religiosas e culturais; envolvimento com a comunidade; acesso a serviços de saúde”, finalizou.

Faces da violência

O abandono, referido por Peccioli, está entre as faces da violência contra os idosos, segundo apontou o delegado Ricardo Meirelles Bernardinelli, o terceiro palestrante da tarde. Ele proferiu palestra intitulada “A violência contra pessoas idosas como fenômeno multicausal e multifacetado e o papel dos órgãos de defesa”.

De acordo com o delegado, o estelionato é um tipo de crime muito comum contra os idosos. “São vítimas de golpes diversos. Estelionatários ligam afirmando que alguém da família foi seqüestrado, que o idoso tem boleto vencido, coisas assim... Muitos perdem R$ 200, R$ 2 mil, R$ 20 mil ou mais. Acompanhei vários casos assim. É horrível!”, disse.

O delegado, a partir da própria experiência, enfatizou a necessidade de atenção especial aos idosos. Ele lembrou um caso ocorrido em Itaporã, município a 220 quilômetros de Campo Grande. “Certa vez, uma senhora de 80 e poucos anos, de olhos bem verdes e cabelos brancos, muito parecida com minha avó materna, chegou à delegacia”, iniciou o delegado.

A idosa dizia que estava sendo perseguida por “malfeitores”, que tentavam, constantemente, roubar a casa dela. “Achei aquilo um absurdo. Fizemos a investigação, mas não descobrimos nada”, contou. A senhora terminou dizendo que algumas pessoas tinham instalado na cabeça dela um “mendrive” (ela se referia a pen drive), que fazia com que escutasse vozes de malfeitores que iriam roubá-la.

Bernardinelli buscou ajuda da rede de proteção, mas continuou recebendo a mulher na delegacia. Ele resolveu, então, entrar no universo da realidade construída pela idosa. Ajudado por um investigador, o delegado colocou partes de um rádio velho na cabeça da senhora, apertou alguns botões e disse que havia neutralizado o "mendrive". Funcionou por uns tempos e a idosa ficou muito agradecida. O delegado também conta essa história em uma crônica, com o título de "Esmeralda" e escrita em projeto desenvolvido pela Polícia Civil (confira o texto clicando aqui).

O caso serviu para Bernardinelli ilustrar a necessidade da atenção aos idosos, saber ouvi-los. A isso se contrapõe série de situações de violência, ocorrida, inclusive, na própria família. “Há o abandono, a quebra de confiança, a exclusão familiar”, listou. “E esse tipo de violência (contra o idoso) é o mais triste que existe”, concluiu.

Depois das palestras, foi realizada mesa redonda para discutir o assunto a partir dos diversos problemas e análises apresentados pelos palestrantes. Entre as propostas, está a de fortalecer a discussão sobre a criação, em Mato Grosso do Sul, de delegacias especializadas no enfrentamento da violência cometida contra idosos. 

Participantes

Além do presidente da Frente, deputado Renato Câmara, diversas autoridades estiveram presentes: os deputados estaduais João Grandão e Pedro Kemp (ambos do PT), o presidente da OAB/MS, Mansour Elias Karmouche, o  bispo auxiliar de Campo Grande, Dom Marian Danecki, a vereadora da Capital Cida Amaral (PROS), a advogada Rita de Cássia (OAB/MS) e o assistente social Sergio Wanderly Silva (SAS).

No início do seminário, eles fizeram uso da palavra para alertar sobre a importância do enfrentamento a todas as formas de violação de direitos das pessoas idosas.

Arte e reflexão

Na abertura e depois do intervalo, os participantes puderam apreciar apresentações culturais e refletir, com a ajuda da arte, sobre a violência contra idosos.

A orquestra Raízes de Acordeons e Violões tocou e cantou músicas regionais, com belas vozes, acompanhadas dos instrumentos que estão no nome do grupo (violões e acordeons). No meio da tarde, a Trupe Dell’art da UFMS sensibilizou os presentes com a metáfora de um velho jatobá que seria cortado.

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