Bancada do PT é contra proposta de CPI para investigar CIMI
Parlamentares defendem ações para cobrar medidas do governo federal e na tribuna, Kemp diz que ministro da Justiça veio a MS graças à carta de Dom Dimas – Leia na íntegra o requerimento apresentado a pouco na sessão ordinária da Assembleia Legislativa
Requerimento proposto pelo Partido dos Trabalhadores através da Bancada Estadual formada pelos deputados: Amarildo Cruz, Cabo Almi, João Grandão e Pedro Kemp (líder da oposição). Leia o documento na íntegra:
A Bancada Estadual do Partido dos Trabalhadores – PT, constituída pelos Deputados Estaduais Pedro Kemp, Cabo Almi, Amarildo Cruz e João Grandão vem apresentar à Presidência da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, com fulcro nos artigos 30, I, “a”; 33, II, “b”; e o art. 46, I, “c” do Regimento Interno, pedido de providências, em razão do requerimento para abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), lido em plenário, no dia 01 de setembro de 2015, recebendo o protocolo de número 3469/2015, de autoria da Deputada Mara Caseiro e subscrito por mais oito parlamentares, que abaixo segue transcrito:
“Requeiro à Mesa Diretora, ouvido o Colendo Plenário, nos termos que dispõe o art. 64, § 3º da Constituição Estadual e artigos 50 e 52 do Regimento Interno da Assembleia Legislativa seja instituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), composta por cinco membros titulares e cinco membros suplentes, com prazo de 120 (cento e vinte) dias para a sua conclusão, tendo como objetivo apurar a responsabilidade do CIMI – Conselho Indigenista Missionário na incitação e financiamento de invasões de propriedade particulares por indígenas em Mato Grosso do Sul”.
O procedimento legislativo para a instituição de Comissão Parlamentar de Inquérito consta autorizado na Constituição Estadual, que assim estabelece:
“Art. 64. A Assembleia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no regimento da Assembleia Legislativa, serão criadas, mediante requerimento de um terço dos Deputados, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao órgão competente, para que promova a responsabilidade dos infratores.
Com base nas legislações, três são os requisitos para que uma CPI possa ser instaurada pelo Poder Legislativo: o número de um terço do membros, o fato determinado e o prazo de 120 dias para realização dos trabalhos.
Estes requisitos são reconhecidos por nossos Tribunais, como é possível constatar nos fundamentos apresentados pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, no Mandado de Segurança 24.831/DF, que diz:
“A instauração de inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Lei Fundamental da República: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto da apuração legislativa e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).”
Em obediência as normas constitucionais o Regimento Interno da Assembleia Legislativa, no art. 50 regulamentou a instauração da CPI, e delimitou no § 1º do mesmo dispositivo o que se entende como fato determinado para fins de apuração da referida comissão:
“Art. 50 A Assembleia Legislativa, a requerimento de um terço de seus membros, instituirá Comissão Parlamentar de Inquérito para apuração de fato determinado e por prazo certo, a qual terá poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos na Constituição, em Lei e neste Regimento.
§ 1º Considera-se fato determinado o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do Estado, que estiver devidamente caracterizado no requerimento de constituição da Comissão.”
O requerimento para constituição da CPI com o propósito de apurar a responsabilidade do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, na incitação e financiamento de invasões de propriedades particulares por indígenas em Mato Grosso do Sul, embora tenha sido subscrito por nove parlamentares, e tenha atendido o requisito de um terço de seus membros, previsto no caput do art. 50 do Regimento Interno, não delimita o “fato determinado a ser apurado”.
De forma genérica, o requerimento propõe investigar o CIMI alegando que financia e incita invasões de terras particulares por indígenas em Mato Grosso do Sul, não delimitando no corpo do requerimento quais fatos concretos devem ser apurados, onde ocorreram, como ocorreram, qual o espaço territorial e temporal, e também não traz sobre quais aspectos legais, e nem mesmo menciona os limites de competência da Assembleia Legislativa para diligenciar e definir sobre questões pertinentes a demarcação de terras indígenas.
A justificativa do requerimento, que consiste na motivação da proposição, em seu texto de abertura é incisiva, afirmando:
“As constantes e inadmissíveis invasões de propriedades particulares por indígenas em nosso Estado tem o CIMI – Conselho Indigenista Missionário como principal agente de incitação e financiamento”
“Quanto ao CIMI – Conselho Indigenista Missionário, é notória a sua participação na incitação e financiamento dessas invasões, o que pretendemos comprovar através desta Comissão Parlamentar de Inquérito.”
Pelo texto apresentado a seguir, que foi extraído da justificativa do requerimento, ou seja a motivação do ato constitutivo da instauração da CPI, fica evidente a existência de um juízo (julgamento) com relação as ações do investigado. Esta constatação torna questionável qualquer fato que se pretende investigar ou apurar, uma vez que os proponentes já concluíram que o CIMI é o principal agente das movimentações dos povos indígenas em relação aos conflitos com os proprietários rurais de área demarcada como terra indígena.
Neste sentido, é inegável que o requerimento apresentado, além de não ter delimitado o fato a ser apurado é manifestamente inconstitucional uma vez que afrontou o 5º, inciso LV, pois sem o devido processo legal, sem a devida competência legal, e sem garantias do direito ao contraditório e da ampla defesa, já julgou o CIMI como o responsável pelas ditas “invasões”, e com base nesta conclusão justificou a abertura da CPI.
Desta forma surge o questionamento da verdadeira finalidade da investigação, uma vez que, no próprio texto de motivação, já existe o julgamento expresso do investigado, então: Para que afinal uma CPI, tendo em vista, que está claro, para os proponentes, o entendimento de ser o CIMI irrefutavelmente o responsável por todos os problemas decorrentes da demarcação das terras indígenas em nosso Estado?
Sendo tão certo este envolvimento, mais recomendável e coerente é o envio das provas ditas como contundentes à autoridade competente para serem tomadas as medidas jurídicas cabíveis, sendo portanto desnecessária a instauração de uma CPI, para investigar o que para os proponentes, já é “fato notório”. Embora seja a Comissão Parlamentare de Inquérito um importante instrumento para as ações do Poder Legislativo, ela está submersa à lei, tendo seu poder limitado aos princípios jurídicos e aos direitos fundamentais. Neste sentido a Suprema Corte em mandado de segurança tendo como relator o Ministro CELSO DE MELLO, decidiu:
“A investigação parlamentar, por mais GRAVES QUE SEJAM OS FATOS PESQUISADOS pela Comissão Legislativa, NÃO PODE DESVIAR-SE DOS LIMITES TRAÇADOS PELA
CONSTITUIÇÃO e NEM TRANSGREDIR GARANTIAS QUE, decorrentes do sistema normativo, FORAM ATRIBUÍDAS A GENERALIDADE DAS PESSOAS. NÃO SE PODE TERGIVERSAR NA DEFESA DOS POSTULADOS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E NA SUSTENTAÇÃO DA AUTORIDADE NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, eis que NADA PODE JUSTIFICAR o desprezo pelos princípios que regem, em nosso sistema político, as relações entre o Poder do Estado e os direitos do cidadão – de qualquer cidadão”.
A unilateralidade do procedimento de investigação parlamentar não confere à CPI O PODER DE AGIR ARBITRARIAMENTE em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias.(MS 23.576-DF/Pedido de Reconsideração, rel. Min. Celso Mello, DJU de 04.03.2000).”
Na forma prevista no §1º do art. 50 do Regimento Interno, o requerimento não delimitou o fato determinado a ser apurado, que é entendido como um acontecimento de relevante interesse para a VIDA PÚBLICA e a ordem constitucional, legal, econômica e social do Estado. É inegável que o questão da demarcação das terras indígenas é de relevância social, no entanto, este não consiste o objeto da CPI, que propõe apenas investigar o CIMI e não os problemas para o Estado de Mato Grosso do Sul decorrente dos conflitos nas áreas de terras indígenas.
Para a doutrina, aqui representada por José Wanderley Bezerra Alves, o “fato determinado” deve ser entendido como “algo que, entre um momento inicial e um momento final, aconteceu e seu conhecimento em minúcias pelo Legislativo é, atualmente, relevante. Através da CPI, pode-se apurar a autoria, o período em que ocorreu o fato, o meio utilizado e o local do fato.”
Todos estes elementos não constam expresso no requerimento de instauração da CPI, o fato a ser determinado, no seu corpo aparece apenas como um objetivo, que consiste em “apurar a responsabilidade do CIMI – Conselho Indigenista Missionário Brasileiro, na incitação e financiamento de invasões de propriedades particulares por indígenas de Mato Grosso do Sul”, ou seja, de maneira imprecisa e genérica, contrariando a objetividade dos fatos, que é imprescindível a delimitação dos procedimentos da CPI e principalmente a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório.
Reforçando ainda o entendimento doutrinário, Saulo Ramos enfatiza que:
“somente fatos determinados concretos e individualizados, que sejam de relevante interesse para a vida política, econômica, jurídica e social do País, é que são passíveis de investigação parlamentar e constitui abuso instaurar-se inquérito parlamentar com o fito de investigar fatos genericamente enunciados, vagos e indefinidos, pois a Constituição impõe que o inquérito parlamentar objetiva atos, ações ou fatos concretos e não há, no ordenamento constitucional brasileiro, investigações difusas.”
No mesmo sentido também ensina Paulo Ricardo Schier, quanto a observância do fato determinado para instaurações de CPI, com a seguinte análise:
“A Constituição não pode abrigar expressões que não sejam destituídas de valor normativo, que possuam caráter exclusivamente figurativo. Se se fala de fato determinado, por certo há uma razão para a observância do requisito. Quer-se impedir, como já se disse, as devasssas, a utilização meramente política do instituto e assim por diante. Daí porque o fato determinado, ao mesmo tempo que denota, por si próprio, um limite, também expressa uma exigência de exposição bem delimitada daquilo que será investigado, como mecanismo de racionalização da investigação, como elemento que permitirá o controle de sua finalidade.
Tem, logo, o requisito do fato determinado, duas dimensões: a de limite formal de constituição das CPIs (ou seja, não se pode investigar fatos genéricos, indeterminados, abstratos, para impedir práticas, repita-se, como a da devassa) e a de exigência de demonstração de vinculação com a finalidade (exigência de exposição do fato para que se verifique se há interesse legislativo, em sentido lato, que justifique a manipulação de dados poderes, se o campo de investigação está no âmbito competencial do Parlamento, se há interesse público que justifique a constituição e assim sucessivamente).”
Outro grave erro cometido no requerimento consiste em estabelecer o CIMI como o polo passivo da investigação, tendo em vista que a entidade investigada consiste em um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que não possui personalidade jurídica, sendo a própria Igreja Católica, a instituição responsável por sua representação jurídica, neste sentido como ficariam os trabalhos da CPI, uma vez que seu objetivo é investigar o CIMI, no entanto, o mesmo não pode figurar no polo passivo da investigação, por ser desconstituído de personalidade jurídica.
Para a correção desta impropriedade deveria o requerimento ter como polo passivo a Igreja Católica, fato que tornaria ainda mais genérico, e longe de atingir o requisito constitucional do “fato determinado”.
Assim com todos estes limites jurídicos aqui apontados, a Bancada do Partido dos Trabalhadores alerta que, uma vez instaurada a CPI a Assembleia Legislativa poderá ser mais uma vez surpreendida com decisão judicial determinando a suspensão de Comissão Parlamentar de Inquérito, como do Mandado de Segurança no 1404875-96.2015.8.12.0000, em que o Des. Dorival Renato Pavan, que determinou a suspensão de todos os efeitos da CPI criada pelo Ato n. 02/15, publicado no Diário Oficial AL/MS n. 0733, de 31/03/2015, processo n. 061/15, da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul, cujo objeto era a investigação Enersul/Energisa, em que fundamenta:
“Os requisitos legais, assim, encontram-se presentes, e a medida pode – e deve – ser estendida a todos os atos da CPI, eis que dois elementos fundamentais não foram observados pela mesma Comissão, apontados nos fundamentos desta decisão, que foram, exatamente, a falta de apontamento de fato determinado, aliado à falta de fundamentação adequada para a quebra dos sigilos bancário e fiscal da antecessora da impetrante, a quem sucedeu e a quem, em princípio, confiro a legitimidade necessária para buscar a tutela jurisdicional de anulação do ato de criação da CPI (matéria de mérito), cuja anulação, se deferida, implica no desfazimento de todos os atos, em definitivo, envolvendo não só a impetrante, como, de igual forma, todos quantos ali figurem como investigados. ( Mandado de Segurança no 1404875-96.2015.8.12.0000, Des. Dorival Renato Pavan)”
Por todo o exposto, os Deputados que a baixo subscrevem, vem requerer à Presidência da Mesa Diretora, no exercício de suas atribuições, especialmente na forma do art. 33, II, “b” do Regimento Interno, que deixe de aceitar a proposição identificada no Protocolo 3469/2015, em razão da mesma não atender as exigências regimentais determinadas no art. 50 do Regimento Interno.
Caso, não seja à princípio o entendimento de Vossa Excelência, requer a aplicação do disposto no art. 46, I, “c” do Regimento Interno, submetendo à apreciação da Comissão de Constituição e Justiça o requerimento de instauração da CPI, para a análise dos questionamentos jurídicos neste ato suscitados.
Pede deferimento.
Sala das sessões. 02 de setembro de 2015.
Bancada do Partido dos Trabalhadores – PT
Dep Pedro Kemp
Dep Amarildo Cruz
Dep João Grandão
Dep Cabo Almi