O Programa Mais Médico e a Falta de Educação
“Eu tenho um sonho, que meus quatro filhos vão um dia viver em uma nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter.” Martin Luther King
Há cinqüenta anos, o ativista político norte-americano Luther King proferia o memorável discurso em Washington para mais de duzentas mil pessoas, conclamando para a necessidade de união e coexistência harmoniosa entre negros e brancos no futuro.
Ainda hoje, manifestações de intolerância racial são uma realidade em todo o mundo, até mesmo em países marcados pela miscigenação, pluriétnicos e multiculturais, como o Brasil.
Causou-me grande indignação assistir a reportagem que mostrou o protesto promovido no último dia 28/08 pelo Sindicato dos Médicos do Ceará, em Fortaleza, contra a vinda ao Brasil de médicos cubanos, atendendo ao chamado do governo brasileiro
para atuar no Programa Mais Médicos. Foi um péssimo exemplo de truculência, de incitação ao preconceito e de xenofobia. Diziam, aos berros, aos colegas de Cuba, ‘escravos’, ‘incompetentes’, ‘voltem para a senzala’. E, como se não bastasse,
dias depois, uma jornalista potiguar visita as redes sociais e esbanja em preconceito ao dizer que as médicas cubanas pareciam empregadas domésticas.
Fiquei envergonhado.
E o mais revoltante, é saber que se tratam de pessoas estudadas, com curso superior. Não quero aqui avaliar ainda o Programa Mais Médicos do governo federal. Tenho minha opinião, mas acho cedo para avaliações. A população beneficiária das ações do programa certamente saberá dizer, no futuro, se foi válido ou não. O que quero, neste momento, é chamar a atenção para as reações de conteúdo racista por parte de algumas pessoas, para quem os negros são tolerados desde que em serviços subalternos.
De início, com o anúncio do programa governamental na área da saúde, inédito no país, pensei que a resistência de alguns se dava porque temiam perder postos de trabalho para colegas estrangeiros. Mas ninguém assumiu esse debate, até porque os primeiros a serem recrutados para o programa foram os profissionais brasileiros e, só depois que mais de setecentos municípios extremamente pobres ficaram sem nenhum médico, ou ainda, periferias de grandes cidades e 13 distritos sanitários indígenas, é que as vagas foram disponibilizadas a médicos estrangeiros.
Ouvi, também, muitas críticas de que o problema maior da saúde no Brasil não é a quantidade de médicos por habitante, mas a falta de estrutura para se trabalhar na área. Penso que esta questão deve ser mesmo levada em conta, mas será que a presença dos médicos não vai colaborar ainda mais para se reivindicar as condições adequadas de trabalho e mais investimentos?
A presença do profissional vai criar a demanda, creio eu. Sinto que o pano de fundo de muitos ataques ao programa é, também, a resistência à mudanças no modelo de atendimento à saúde. O modelo dos médicos cubanos é o da medicina popular, comunitária e preventiva, do engajamento social, enquanto que, no Brasil, nosso modelo ainda está muito voltado para a doença, é o modelo curativo, hospitalocêntrico, ditado pela lucrativa indústria de medicamentos.
Mas tudo isso pode muito bem ser matéria para um profícuo e civilizado debate, sem problemas. Agora, atacar a dignidade das pessoas, isso é inaceitável.
Sendo assim, penso que temos muito o que aprender com esses profissionais de Cuba, inclusive como tratar as pessoas com respeito. Para atuar como bom profissional, com certeza, não basta ser detentor de diploma ou ser aprovado no revalida, mas é preciso saber agir com ética e ser capaz de respeitar os direitos humanos de quem quer que seja.
Felizmente, muitos médicos brasileiros são valorosos profissionais e nos orgulham por sua competência e compromisso para com a população que atendem. Mas, aos racistas, que desçam do pedestal da ignorância e da intolerância. Por causa deles, depois do Mais Médicos, poderíamos sugerir o programa Mais Educação.
PEDRO KEMP
Psicólogo,professor e deputado estadual