Em audiência, assentados culpam Incra por irregularidades

Imagem: Debate busca soluções para famílias que compraram terras da Reforma Agrária e foram ou estão prestes a ser despejadas.
Debate busca soluções para famílias que compraram terras da Reforma Agrária e foram ou estão prestes a ser despejadas.
23/09/2013 - 18:42 Por: Nathália Barros    Foto: Roberto Higa

Em Mato Grosso do Sul, há cerca de 30 mil lotes divididos em 178 assentamentos. As terras foram demarcadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), entretanto, nos últimos anos, irregularidades que vão desde a falta de pagamento de parcelas do terreno até a compra dos lotes, levaram ao despejo várias famílias. As ações são o resultado de um levantamento realizado pelo órgão desde 2010, que fiscalizou 17 mil lotes ao longo dos anos.

O levantamento apontou que 80% dos lotes estavam regulares, enquanto outros 20% apresentavam algum tipo de irregularidade. Desses, cerca de 10% envolvendo a comercialização das terras; as terras só podem ser comercializadas dez anos após a aquisição.

Recentemente, no assentamento Santa Mônica, em Itaquiraí, ordens judiciais resultaram no despejo de quase 70 famílias, obrigadas a abandonar os lotes. Na maioria dos casos, por terem adquirido de forma irregular as terras.

O problema foi apresentado pelo prefeito do município, Ricardo Favaro (PSDB), ao deputado estadual Lidio Lopes. “Uma parcela importante dessas famílias que foram despejadas, produzia de fato. Alguns estavam lá há anos. São pessoas carentes que agora não sabem o que farão”, comentou o prefeito de Itaquiraí.

A fim de buscar uma solução para o impasse, Lidio Lopes promoveu, na tarde desta segunda-feira (23/9), na Casa de Leis, audiência pública para debater o despejo de várias famílias de assentados rurais. Para ele, é necessário empenhar um olhar apurado para não injustiçar famílias que têm vocação para fazer parte do programa.

“Não podemos esquecer que o processo de reforma agrária, desde 2010, ficou paralisado. Como o Estado não tomou providências, no sentido de solucionar os problemas dessas famílias, elas fizeram a 'justiça com as próprias mãos'", defendeu o parlamentar.

O debate reuniu produtores de diversos assentamentos do Estado na Casa de Leis, além de entidades civis organizadas, que trabalham em prol da categoria.

Jackson Borralho, que participa do movimento Pró Regularização do Segundo Titular, apesar de lutar pela causa é o titular original da terra localizada no assentamento Itamarati I, no município de Ponta Porã. Com inúmeros documentos em mãos, ele acusa o próprio Incra de má gestão e beneficiamento de pessoas que não têm perfil para o programa.

“No assentamento têm parentes de funcionários do Incra. Há quem tenha mais de dois lotes e não produza. Enfim, acredito que seja hipocrisia falar do problema, uma vez que as grandes irregularidades não são corrigidas”, denunciou.

Outro assentado, que preferiu não ser identificado, com medo de represálias por parte do órgão federal, diz que “como é muito difícil ter acesso aos programas de incentivo, muitas famílias não conseguem dar continuidade ao trabalho rural. Quando não vendem os lotes para conseguir sustentar os seus entes, eles acabam migrando para as cidades, em busca de um trabalho formal. Com isso, como têm que abandonar temporariamente os lotes, o que a gente sabe que é irregular apesar de necessário, o Incra aparece lá, notifica e, muitas vezes toma as terras”.

Na ocasião, foi apresentada pelo Grupo Gestor Itamarati uma pauta de reivindicações. Entre as solicitações feitas pelo grupo, está a transferência do Núcleo Urbano, que conta com mais de 90 hectares, além de equipamentos como secadores de grãos, antes entregues para três cooperativas ligadas ao assentamento, à prefeitura de Ponta Porã.

“Essas três cooperativas não representam os mais de dois mil assentados. Por muitas vezes, aliás, eles prejudicaram os trabalhadores do assentamento. Em um episódio, armazenaram mais de 20 mil sacas de soja e o produto sumiu. Eles ressarciram os produtores, mas parcelaram o pagamento em oito meses. Portanto, não podem ficar com toda essa estrutura só para eles”, frisou Jackson.

Celso Cestari, superintende do Incra em MS, disse ter conhecimento das dificuldades envolvendo a continuidade dos trabalhos dos assentados e alega que algumas modificações no trabalho do instituto passaram a acontecer.

“Atualmente, contamos com convênios firmados com a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], que faz a análise de viabilidade econômica das áreas em estudo para a continuidade do processo da reforma agrária. A UFGD [Universidade Federal da Grande Dourado] também se tornou uma parceira e agora estamos prestes a firmar convênio com o Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas]”, revelou Cestari.

Celso acredita que a Assembleia Legislativa também pode contribuir para o aprimoramento do trabalho em benefício dos assentados. “Hoje, todo o Estado é abastecido, principalmente com produtos que vêm de São Paulo e Paraná. Se trabalharmos a elaboração de uma política pública para a ampliação e acesso à comercialização dos assentados, teremos, com certeza, um número cada vez menor de pessoas contempladas se vendo obrigadas a comercializar os lotes”.

Com a intenção de dar um basta aos despejos de pessoas que atendem ao perfil do programa da Reforma Agrária, apesar de não serem os donos legítimos, foi sugerida a instalação de uma comissão na Casa de Leis, formada por membros das comissões de direitos humanos e da reforma agrária da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso do Sul), além de representantes dos movimentos em defesa dos sem terra e da própria Assembleia Legislativa.

“Com ela, poderemos analisar cada caso, rever e fazer intervenções judiciais, se necessário, em prol daqueles que têm, de fato, vocação para a atividade rural”, garante Lidio Lopes.
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