Famílias separadas de hansenianos participam de encontro na AL

Imagem: O plenarinho ficou lotado de famílias com histórias de separação devido ao tratamento da hanseníase
O plenarinho ficou lotado de famílias com histórias de separação devido ao tratamento da hanseníase
29/06/2015 - 17:41 Por: Fernanda Kintschner    Foto: Wagner Guimarães

A Assembleia Legislativa promoveu na tarde desta segunda-feira (29/6) o 1º Encontro dos filhos das vítimas da hanseníase que foram separados compulsoriamente dos pais pelo Estado. Emocionados, eles compartilharam histórias de vida e se uniram na espera em conseguir um pedido de desculpas do Estado e da União com o reconhecimento de que isolar os portadores de hanseníase foi um processo traumático e com sequelas para muitas famílias.

Segundo o Morhan (Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase), as consequências psicológicas foram inevitáveis e devem ser recompensadas por meio de uma indenização aos filhos das vítimas que foram levados para educandários ou entregues a outras famílias. Muitos desapareceram. No Brasil, o grupo estima que mais de 40 mil famílias foram atingidas.

O coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio Moreira de Souza, esteve presente no evento e explicou que desde 2005, quando a ONU (Organização das Nações Unidas) esteve no Brasil e reconheceu a política pública equivocada, o grupo reivindica as indenizações. “Não acredito que consigamos de imediato, mas é preciso esse recurso para tratamento psicológico, por exemplo, como uma forma de reconhecer o erro. O Brasil será o primeiro País que fará isso aos filhos e o primeiro com um banco genético para encontrar os filhos desaparecidos. O Japão já indenizou mães hansenianas que foram obrigadas a abortarem”, explicou Artur.

A dor da separação - A técnica de enfermagem Sueli de Fátima Silva não acredita que a indenização finaliza a dor, mas oportuniza aos que nunca encontraram suas famílias a se reunir ou pagar a continuidade do tratamento aos pais que ficaram com sequelas da doença. Emocionada, ela contou sua história.

“Morávamos em Naviraí e minha mãe foi diagnosticada com hanseníase. Ela veio para Campo Grande se tratar e foi impedida de sair do Hospital São Julião. Eu e minha irmã fomos abandonadas pelo nosso pai, que nos deixou com uma tia menor de idade que nos maltratava muito. Ficamos um ano com ela e aí minha mãe conseguiu com que fôssemos enviadas para o Educandário Getúlio Vargas. Quando ela se curou conseguimos retomar a vida, mas conheci muitos que não tiveram a mesma sorte”, contou Sueli, que viveu dos 3 aos 6 anos de idade separada da mãe.

Por outro lado, Sistolidio Fernandes Martins, hoje aposentado aos 64 anos, foi um dos pais obrigados a se separar da família ao descobrir a doença em 1983. “Eu sentia muitas dores nas juntas e as mãos secas. Fui ao médico e ele me mandou vir para Campo Grande ter a certeza do diagnóstico. Daqui já não pude voltar para o Paraguai. Fiquei isolado até 1987 e só pude sair uma semana nesses quatro anos. Meus três filhos tinham 6, 5 e 4 anos na época e não puderam contar comigo. A mãe se virou trabalhando na roça. Quando saí fui buscar eles para morarem aqui em volta do hospital São Julião. Tudo isso foi muito doloroso”, disse Sistolidio, sem conseguir segurar o choro.

Para o deputado estadual Amarildo Cruz (PT), proponente da reunião, a luta é legítima e os deputados de cada estado devem pressionar o governo a colocar um projeto de indenização em votação ao Congresso. “Após esse encontro vamos promover uma audiência pública para o Mato Grosso do Sul para ajudar a pressionar para que a indenização se torne real. É lógico que deve ser discutido o valor, que hoje está estimado em R$ 50 mil por filho lesado e também como o governo federal vai pagar isso, mas é o mínimo que poderia ser feito para minimizar todo esse equívoco”, resumiu o parlamentar.

A deputada Mara Caseiro (PTdoB), presidente da Comissão de Saúde da Assembleia, também participou da reunião, que lotou o plenarinho. Uma comissão será formada para fortalecer o Morhan no âmbito estadual.

Entenda a doença - De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença infecciosa causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae. Foi descoberta em 1873 e pode ser transmitida por secreções do nariz ou saliva do paciente. Não há transmissão pelo contato com a pele do paciente.

A hanseníase acomete primeiro a pele e os nervos periféricos e pode atingir também os olhos e os tecidos do interior do nariz. O primeiro e principal sintoma é o aparecimento de manchas de cor parda e com limites imprecisos. O tratamento é gratuito e fornecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) com a administração de antibióticos por seis meses, nas formas mais brandas (paucibacilar), ou por um ano ou mais já nas formas mais graves (multibacilar). A prevenção se dá pela higiene constante e mantendo a imunidade alta com boa alimentação e atividade física regular.

Em Campo Grande, um grupo de estudantes de Enfermagem da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) oferece orientações por meio do projeto de extensão Ladipe (Liga Acadêmica de Doenças Infecto-Parasitárias em Enfermagem). “A princípio estudamos doenças infecciosas causadas por parasitas, como a hanseníase e ajudamos pessoas portadoras a entenderem mais sobre elas. Com o Morhan, vamos começar em breve a oferecer capacitação aos profissionais da Atenção Básica de Saúde para detectar a doença mais rápido e auxiliar na prevenção”, explicou a acadêmica do 4º ano de Enfermagem da UFMS, Francyelle de Mello Pereira, que marcou presença no evento com outros participantes do grupo.

Saiba mais sobre o Ladipe acessando www.facebook.com/ladipeufms e sobre o Morhan neste site.
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